Quando
meu pai mudou-se ainda criança com meus avós para o Rio de Janeiro, meu bisavô
disse que ele estava deixando duas coisas para trás: sua raiz chinesa, e o amor
de Sishi, minha futura mãe.
– Yuhao
– chamou minha mãe pouco antes dele partir – quero que você fique com isso.
–
Sua caixinha de sementes? – reconheceu.
– Um
dia ela nos unirá novamente. – disse com um sorriso que meu pai jamais
esqueceu.
E o
que por muito tempo fora o símbolo de um amor puro, se tornou uma peça
decorativa no apartamento de meu pai na Barra da Tijuca com Dora, sua primeira
esposa.
– Num intendo pra quê juntar tanta
tranqueira, Yuhao. – brigava Dora num sotaque carioca puxado. – Assim que cê saí pra ensaiar eu dô um fim nisso tudo.
– Eu
já disse, Dora. – insistia meu pai de forma mansa. – Essa caixinha é uma relíquia
chinesa.
– Ma é meixxxmo
um cabeça dura.
E lá
ia meu pai para o ensaio da banda, sempre com o coração na mão por achar que
quando voltasse não estaria lá a única conexão que ele ainda tinha com minha
mãe. Os acordes de seu baixo pareciam até cantar mais tristes.
Foi
perto do outono quando meu bisavô foi visitá-lo. Os abraços dele eram como um
conforto que meu pai já desistira de procurar.
– Eu
conheço essa caixinha. – observou meu bisavô olhando para a estante.
–
Foi presente de Sishi... Coisa de criança – tentava disfarçar, mas era difícil
esconder alguma coisa de meu bisavô.
– Se
é coisa de criança por que você ainda guarda?
–
Ela disse que seria o que nos uniria novamente um dia. – suspirou.
–
Sishi mudou-se há alguns anos. – revelou meu bisavô – foi estudar artes em
Paris. – e com um sorriso de canto carregado com uma vasta experiência de vida,
baixou a voz quase que cochichando – Se quiser, posso conseguir o endereço dela
para você.
Meu
pai queria controlar a tentação, mas bastou apresentar-se com a banda em sete
bares e nove pizzarias para juntar dinheiro suficiente para largar tudo, e
embarcar com seu baixo e a caixinha de sementes num avião rumo à Europa.
Chegando
ao endereço, meu pai observou minha mãe, agora uma mulher, regando alguns vasos
de flores na sacada de sua casa. Ela sorriu lá de cima. O mesmo sorriso. Meu
pai, com a caixinha nas mãos, caminhou em sua direção. Trêmulo. Mas confiante.
Foram
necessários exatos quatro passos para ele parar.
Um
homem surgiu de dentro da casa, abraçou minha mãe pela cintura e a beijou.
O
coração de meu pai ficou tão vazio quanto a caixinha. Ele baixou a cabeça,
deixou a caixinha na porta, tocou a campainha e foi embora.
Quando
o homem que se casaria com minha mãe perguntou o que era aquela caixinha, ela
deu de ombros, mas foi ele entrar no banho para ela tirar da própria corrente
uma pequena chave. Ela encaixou a chave ao lado da caixinha e deu corda. Meu pai
voltou para Dora sem ouvir a doce música chinesa que começou a tocar na
caixinha. Voltou sem saber que minha mãe também o esperara por todos esses
anos.
E
assim como esse amor desencontrado, eu também fiquei apenas em uma ideia que
não germinou.
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