segunda-feira, 27 de julho de 2015

Lembranças de uma semente

Quando meu pai mudou-se ainda criança com meus avós para o Rio de Janeiro, meu bisavô disse que ele estava deixando duas coisas para trás: sua raiz chinesa, e o amor de Sishi, minha futura mãe.

– Yuhao – chamou minha mãe pouco antes dele partir – quero que você fique com isso.
– Sua caixinha de sementes? – reconheceu.
– Um dia ela nos unirá novamente. – disse com um sorriso que meu pai jamais esqueceu.

E o que por muito tempo fora o símbolo de um amor puro, se tornou uma peça decorativa no apartamento de meu pai na Barra da Tijuca com Dora, sua primeira esposa.
Num intendo pra quê juntar tanta tranqueira, Yuhao. – brigava Dora num sotaque carioca puxado. – Assim que cê saí pra ensaiar eu um fim nisso tudo.
– Eu já disse, Dora. – insistia meu pai de forma mansa. – Essa caixinha é uma relíquia chinesa.
Ma é meixxxmo um cabeça dura.
E lá ia meu pai para o ensaio da banda, sempre com o coração na mão por achar que quando voltasse não estaria lá a única conexão que ele ainda tinha com minha mãe. Os acordes de seu baixo pareciam até cantar mais tristes.

Foi perto do outono quando meu bisavô foi visitá-lo. Os abraços dele eram como um conforto que meu pai já desistira de procurar.
– Eu conheço essa caixinha. – observou meu bisavô olhando para a estante.
– Foi presente de Sishi... Coisa de criança – tentava disfarçar, mas era difícil esconder alguma coisa de meu bisavô.
– Se é coisa de criança por que você ainda guarda?
– Ela disse que seria o que nos uniria novamente um dia. – suspirou.
– Sishi mudou-se há alguns anos. – revelou meu bisavô – foi estudar artes em Paris. – e com um sorriso de canto carregado com uma vasta experiência de vida, baixou a voz quase que cochichando – Se quiser, posso conseguir o endereço dela para você.
Meu pai queria controlar a tentação, mas bastou apresentar-se com a banda em sete bares e nove pizzarias para juntar dinheiro suficiente para largar tudo, e embarcar com seu baixo e a caixinha de sementes num avião rumo à Europa.

Chegando ao endereço, meu pai observou minha mãe, agora uma mulher, regando alguns vasos de flores na sacada de sua casa. Ela sorriu lá de cima. O mesmo sorriso. Meu pai, com a caixinha nas mãos, caminhou em sua direção. Trêmulo. Mas confiante.
Foram necessários exatos quatro passos para ele parar.
Um homem surgiu de dentro da casa, abraçou minha mãe pela cintura e a beijou.
O coração de meu pai ficou tão vazio quanto a caixinha. Ele baixou a cabeça, deixou a caixinha na porta, tocou a campainha e foi embora.
Quando o homem que se casaria com minha mãe perguntou o que era aquela caixinha, ela deu de ombros, mas foi ele entrar no banho para ela tirar da própria corrente uma pequena chave. Ela encaixou a chave ao lado da caixinha e deu corda. Meu pai voltou para Dora sem ouvir a doce música chinesa que começou a tocar na caixinha. Voltou sem saber que minha mãe também o esperara por todos esses anos.

E assim como esse amor desencontrado, eu também fiquei apenas em uma ideia que não germinou.

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